Harry Potter e o Guia de Como Abandonar Coisas Ruins
Para você que cresceu apaixonado pela saga, mas detesta sua criadora.
Vou ir direto ao ponto: ser fã de Harry Potter em 2025 é declarar em auto e bom som que “eu não me importo com direitos de pessoas transexuais e não ligo se a autora da obra é preconceituosa”. Eu sei o quão difícil é abandonar algo importante depois de descobrir que a pessoa que criou aquela coisa é terrível, eu sei que eu mesma tive que fazer isso algumas vezes. Um cantor que você admira aparece com alegações de assédio, uma atriz que você ama solta falas racistas e uma autora que fez você se apaixonar pelo universo que ela criou posta fotos celebrando uma decisão do governo britânico que tira direitos de pessoas transexuais.
Minha história com Harry Potter é muito breve. Em 2019 eu assisti os filmes e me encantei. Li até o quarto livro Harry Potter e o Cálice de Fogo e me recusei a ler o próximo porque não queria ler a morte do Sirius Black (eu costumava pular essa parte no filme). Comprei os filmes em dvd e comecei, durante a pandemia, a ler fanfics. O que no começo era amor pelo mundo criado por Rowling se tornou amor pelo universo criado pelos fãs. As personagens escritas de modo racista se tornaram personagens com personalidade e desenvolvimento, pessoas brancas se tornaram pessoas de cor, personagens plus size foram incluídos e bem representados e a mudança mais notável: a comunidade LGBTQIA+ apareceu em peso. Os Marotos ganharam destaque e com eles a representatividade foi ainda mais elevada, tanto nas histórias e headcanons, quanto dos autores das fanfics e cosplayers. Uma comunidade que, apesar de seus problemas, tornou uma memória bonita de infância para muitos em algo que realmente conversava com a realidade deles.
É uma questão agora, sobre separar obra do autor, principalmente se a autora em questão continua viva e causando danos a pessoas inocentes que passaram anos lutando por seus direitos. Se suas morais estiverem corretas, dar palco para essa mulher de forma positiva deveria deixar um gosto amargo em sua boca. Acredito eu que o mais próximo que eu cheguei de gostar do mundo de Harry Potter sem ser influenciado por ela foi através do universo criado pelos próprios fãs, algo que hoje em dia está tão distante do que ela escreveu que se tornou uma coisa própria. É algo bonito de se fazer e creio eu que é até mais efetivo que a cultura do cancelamento. Cancelar ela nas redes sociais não vai impedir que ela comemore a suposta vitória sobre pessoas trans e nem que ela continue a influenciar pessoas de modo negativo.

Apesar de tudo, esse universo criado pelos fãs ainda está conectado com esse ser humano e mesmo que sejam projetos sem fins lucrativos, o nome dos personagens ainda está atrelado a ela. É triste porque eu sei que existem pessoas muito talentosas nessa comunidade que merecem ser lidas e merecem a atenção, seja atuando em filmes criados por fãs ou em cosplays impressionantes. É um lugar no qual muitas pessoas se sentiram acolhidas e fizeram amizades e é uma pena que mesmo encontrando uma forma de tornar uma obra problemática em algo inclusivo e bonito, essa mulher consegue debochar de suas vidas e rir enquanto seus direitos estão sendo questionados e revogados. É triste ver que mesmo tornando uma coisa ruim em algo bom, você não consegue se livrar totalmente da raiz do problema.
Então aqui está o meu Guia de Como Abandonar Coisas Ruins: pense, de verdade, se vale mesmo a pena dar voz a palavras tão cruéis, mesmo de forma indireta. Tenha em mente que enquanto você está em seu quarto maratonando os filmes de Harry Potter, protegido em um mundo de fantasia, há pessoas reais estão sendo agredidas, maltratadas e tenho suas escolhas pessoais desrespeitadas. Isso deve ser o suficiente, caso você seja alguém com o mínimo de empatia pelo próximo, para quebrar o encanto da fantasia. O que você sentia quando era criança, suas memórias bonitas relacionadas a saga, isso tudo é seu e ela não pode manchar a imagem que você tinha antes. Não devemos permitir que pessoas assim tirem a magia das nossas vidas. Entretanto, eu espero que esteja sendo muito clara aqui quando digo que a magia criada por alguém tão cruel não deve ser celebrada.
Antes de encerrar esse texto, eu gostaria de explicar que toda vez que eu usar um livro escrito por alguém preconceituoso a indicação feita no Arquivo Lírios&Livros vai ser trocada por alguma outra obra relacionada ao assunto! O propósito da página é, além de montar uma biblioteca digital, indicar livros e trocar indicações e seria de mau gosto indicar uma autora transfóbica.
Minha conclusão é que se apegar a uma memória da sua vida não significa deixar essa memória ganhar vida no presente. O passado é passado por um motivo e, mesmo sabendo que a nostalgia tende a nos atingir como um trem veloz em uma segunda qualquer, acho que podemos olhar com ternura para isso e deixar o sentimento passar. Esse ser humano perde o tempo dela tirando sarro de pessoas inocentes online constantemente, então ela não merece que você perca o seu tempo aplaudindo o trabalho dela. O mundo já é bem cruel do jeito que é, nós não precisamos dar munição para a crueldade.
Eu vou tentar ser mais consistente aqui, prometo!!! Ah, e se você tem alguma indicação bacana de livros de fantasia infantil/infanto-juvenil por favor, fique à vontade para deixar aqui ou no Instagram! Eu vou adorar ler.
Um abraço e se cuidem!!!!!
Alice.